Abrigo de Cacau-Lidun, Díli
CONSTRUÇÃO
O Abrigo subterrâneo de Kakaulidun foi construído na residência de Acácio Tilman e Rosarda da Conceição, em 1991, com o objectivo de esconder o Comandante das FALINTIL, Kay Rala Xanana Gusmão, aquando das suas deslocações a Dili, vindo de Same/Ainaro - depois do rude golpe do inimigo a Bunaria e cerco a Soru Kraik - no âmbito dos trabalhos de reorganização da Luta e preparação da anunciada visita da Delegação Parlamentar Portuguesa a Timor-Leste, que acabaria por nunca se realizar, defraudando as expectativas de milhares de timorenses.
Ali ficaram, como esclarece Rosarda da Conceição, Xanana Gusmão e Constâncio Pinto.
À escolha da casa desta família para esconderijo do comando máximo da Resistência, situada num local estratégico um pequeno monte que permitia controlar os movimentos circundantes – não foi alheio o facto de Acácio Tilman ser elemento de extrema confiança, ligação principal nas áreas de Same, de onde era natural, durante o período em que Kay Rala Xanana Gusmão se movimentou naquelas áreas, a partir do inicio dos anos 80 vindo da Ponta Leste, para proceder à reorganização da Resistência naquelas áreas.
Rosarda da Conceição explica que a iniciativa de escavar o Abrigo foi do seu marido. No maior dos sigilos, fizeram-no durante a noite, ela o marido e filha, juntamente com quatro pessoas da família de extrema confiança, dissimulado junto a uma parede da sala de estar, cujo alçapão de entrada tem pouco mais de meio metro de largura. Precisaram apenas de uma semana para o concluir, uma área de
A fim de afastar qualquer suspeita, antes do início dos trabalhos compraram um porco; toda a terra escavada era como se fosse para fazer o curral do animal, caso fossem denunciados ou descobertos pelo inimigo...
Serem descobertos pelas forças ocupantes significava a morte de toda a família. Como tal, todos os intervenientes tiveram que fazer um juramento de sangue: “Se me descobrirem (denunciarem) posso morrer, mas mato-vos primeiro”. Refere Rosarda da Conceição. Como tal, conclui, “Ninguém podiam falar do abrigo, quem o fizesse era morto.”
BIOGRAFIA
Rosarda da Conceição, nome de código Istóridor (derivado de “istori-malu”, que significa discutir) atribuído por Xanana Gusmão, por, como a própria explica, “discutir muito com ele, para ele entrar no abrigo e o proteger. Quando a situação era mais perigosa ela mandava-o e dizia-lhe que se ele tivesse um azar qualquer, também cortavam o marido dela aos pedaços.”
Nunca frequentou a escola. Viúva de Acácio de Acácio Tilman, nome de código Buras, (florescer, abundante, muito experiente) sempre teve a seu cargo as responsabilidades domésticas, cuidar da casa, cuidar dos filhos.
À semelhança de milhares e milhares de Mulheres durante os 24 anos de Luta, Rosarda da Conceição, apesar de ser a figura central da casa, o principal pilar da família, e, paralelamente, e não de somenos, caber-lhe a terrível responsabilidade de garantir, na maior das descrições e sofrimento na solidão, a principal base de apoio das actividades clandestinas do marido e dos guerrilheiros, enfrentando o inimigo a todos os momentos, sofrendo na pele indizível violência do ocupante durante os longos e inúmeros períodos de ausência do marido, detido, espancado, humilhado, aviltado numa qualquer cela, nunca assumiu qualquer cargo na estrutura da Luta.
A todas as Mulheres que durante os 24 anos de Luta enfrentaram as maiores dificuldades, atrocidades, actos de Heroísmo, em nome da Libertação da Pátria do jugo do ocupante facínora, o AMRT aqui presta profunda e sentida Homenagem.
O marido, nascido em Agosto de 1956, durante o “tempo português” frequentou a escola primária até à quarta classe. “No tempo da Indonésia não frequentou a escola, só se interessava pela política No tempo da Indonésia não frequentou a escola, só se interessava pela política”.
Durante o tempo da ocupação das forças indonésias não tinha qualquer actividade profissional, como a própria esclarece, todo o seu tempo estava dedicado ao trabalho na Frente Clandestina.
Buras, como tantos outros milhares de timorenses, enfrentou o inimigo heroicamente, nunca cedendo às mais variadas e vis torturas. “ Começou a Clandestina em Same, onde procurava companheiros no Mato. Ali foi capturado, em 1982. Pendurado num helicóptero, trouxeram-no para Dili. Amarrado e pendurado de cabeça para baixo, levaram-nos para diferentes lugares no Mato, para localizar os “maun boot” (guerrilheiros do Comando da Luta, “Irmãos Grandes”). Diz Rosarda da Conceição, que acrescenta:
“A casa dele passou a ser a prisão. Sempre que ouviam alguma informação sobre ele, ou desconfiavam de alguma coisa, capturavam-no. Batiam-lhe, tentaram matá-lo várias vezes. Numa delas, levaram-no à uma da manhã para Tasi Tolu, eram 10, mataram 7 e trouxeram 3 de volta. Quando os largaram, disse aos outros 2 sobreviventes: “não morremos””.
Sublinha Rosarda que, “Apesar de todo o sofrimento, todas as pancadas, tortura, de o tratarem como um animal, sofrer banhos de sangue, ele resistia e voltava sempre à Clandestina.
Sofreu como um escravo até morrer. Apesar do sofrimento, resistiu até morrer.”
Rosarda da Conceição, muito emocionada, explica que tinha sempre a filha perto dela e levava-a sempre com ela para todo o lado, para que ela pudesse ouvir a história do pai e, assim, saber quem ele era, mas também para não desconfiarem que ela pudesse ter-se prostituído e o pai da criança ser outro. O pai como estava sempre a entrar e sair da prisão, ela questionava-o sobre se não pensava neles e o Sr. Acácio respondia-lhe era que o que fazia era por eles, pela vida deles, pelo futuro deles, porque assim era a vida deles.”
Deles e tantos milhares de Homens, Mulheres, Crianças, Velhos, durante longos 24 anos de ocupação da sua Terra, Timor-Leste.
FICHA TÉCNICA
Ano de construção: 1991
Local: Kakau Lidun, Dili. Situado na casa de José Acácio Tilman, Buras, e de Rosarda da Conceição, Istóridor
Construtores: José Acácio Tilman e esposa, Rosarda da Conceição, sobrinha Rosinha, Jorge Joaquim, Agapito.
Utilizadores: Kay Rala Xanana Gusmão, e Constâncio Pinto "Terus" (durante um curto período)
Reabilitação: 2015, Financiado pelo Estado da RDTL através do orçamento do AMRT. Implementado pelo AMRT. Projeto incluiu reconstrução do abrigo e reforço estrutural, reabilitação de telhado e rede eléctrica da casa.