História
Para além da responsabilidade de «preservar e divulgar as tradições, os valores e os feitos heroicos da luta pela independência», o Arquivo e Museu da Resistência Timorense, IP, (AMRT, IP) «é uma entidade especialmente vocacionada para a preservação da memória e do património histórico nacional e para a divulgação dos valores da Luta de Resistência do Povo de Timor-Leste, especialmente junto das camadas mais jovens.»
Deste modo, o AMRT «assume-se como um protagonista cultural que se propõe realizar, promover e patrocinar ações de natureza cultural, científica e educativa nos domínios da preservação e divulgação da Memória da Luta de Resistência do Povo de Timor-Leste, do reconhecimento e valorização social dos Veteranos, da consolidação da identidade nacional, da história contemporânea de Timor-Leste e da promoção da Paz e do respeito pelos Direitos Humanos.»
O AMRT, IP, foi formalizado no âmbito da Lei n.º 3/2006, de 12 de Abril, que regula o Estatuto dos Combatentes da Libertação Nacional, com Estatuto atribuído pelo Decreto-Lei No. 22 /2014, de 3 de Setembro.
De igual modo, o Arquivo e Museu da Resistência «é a entidade competente pela guarda e conservação do acervo documental produzido pelas comissões criadas pelo Presidente da República», bem como pela «conservação e gestão dos arquivos e bases de dados» no âmbito do processo de atribuição da pensão de reforma do Estado, ou de aposentação, aos Combatentes da Libertação Nacional, findos o processo de registo e as cerimónias de homenagem.
Processo concretizado a 15 de Julho de 2020, mediante a assinatura de um Protocolo entre o Secretário de Estado dos Antigos Combatentes da Libertação Nacional, Gil da Costa Monteiro, Oan Soru, e o Director Executivo e Presidente do AMRT I.P, Antoninho Baptista Alves, Hamar, para a entrega do arquivo digital e integração dos documentos físicos nos depósitos do AMRT.
Dentre as diversas componentes da consciência de identidade, a história colectiva do povo é, sem dúvida, a mais importante. No caso de Timor, é óbvio que a Resistência constitui o facto histórico mais importante da sua curta história. Por outro lado, é também aquele que melhor representa a consciência colectiva. Está na memória de toda a gente, envolveu pessoalmente quase todos os Timorenses, traduz-se em muitos e muitos episódios que demonstram o seu carácter popular.
Nesse sentido, e no que representa a génese da criação do Arquivo e Museu da Resistência, em 2001, o presidente da República, Kay Rala Xanana Gusmão e o Ministro dos Negócios Estrangeiros e Nobel da Paz, José Ramos-Horta, estabelecem contactos com a Fundação Mário Soares - vocacionada para a preservação de Arquivos Históricos de Resistência, nomeadamente de resistentes ao regime fascista de Salazar e dos Movimentos de Libertação das ex-colónias portuguesas - presidida pelo ex-Presidente República e ex-Primeiro-Ministro de Portugal, Mário Soares, para proceder à realização duma Exposição em Timor-Leste, Dili, sobre os 24 anos da Luta de Resistência, a fim de assinalar a Restauração da Independência, 20 de Maio de 2002.
Tais contactos fundam-se no facto de Mário Soares, para além de estadista internacional, no exercício das suas funções de Estado se ter assumido dedicado e explícito defensor do direito de Timor-Leste à Autodeterminação.
Em 1986, quando a “Questão de Timor” estava a entrar no esquecimento da consciência europeia, o Presidente Soares, recentemente empossado, tomou a palavra no Parlamento Europeu convidando os presentes a “demonstrarem a atenção e o interesse que um problema desta gravidade requer” e declarou que “Portugal não está disposto a abandonar Timor-Leste ao seu destino”.
Pouco depois, o Parlamento Europeu aprovou uma Resolução, pedindo o respeito pelo Direito à Autodeterminação, importante marco no relançamento do apoio internacional à Luta do Povo de Timor-Leste.
A Exposição de 20 de Maio de 2002, intitulada “ A Nossa Vitória e Apenas Questão de Tempo…”, um quadro histórico geral da Resistência do Povo de Timor-Leste, ainda que necessariamente breve, permitiu reunir um conjunto significativo de documentação proveniente de diversas origens, institucionais e privadas, nacionais e estrangeiras.
Tal universo documental - constituído por espécies de natureza gráfica, fotográfica, sonora e audiovisual - objecto de inventariação, conservação e digitalização e classificação pelo Arquivo e Biblioteca da Fundação Mário Soares, com a especial colaboração em Dili do Historiador Professor Doutor José Mattoso, constitui o núcleo essencial do futuro Arquivo de Resistência.
Englobava então, sobretudo, os arquivos do Nobel da Paz, Ramos-Horta (com a mediação incansável da sua Chefe de Gabinete em Lisboa, a malograda Lígia de Jesus), do ativista português Barbedo de Magalhães, de Pascoela Barreto, membro da Comissão Executiva do CNRT (Conselho Nacional da Resistência Timorense) primeira Embaixadora de Timor-Leste em Portugal e da TAPOL, (Tahanan Politik), Organização Não Governamental de Direitos Humanos, fundada em 1973 na Indonésia, e com sede em Londres, por Carmel Budiardjo, ex-prisioneira política do regime ditatorial de Soeharto.
Este núcleo documental inicial, incluía também documentação do interior do território, recolhida pela Associação dos Veteranos da Resistência Timorense, e, por último, o importantíssimo Arquivo de Nino Konis Santana, Chefe do Conselho Executivo da Luta/Frente Armada-CEL/FA e Secretário da Comissão Directiva da FRETILIN.
Recolhido no início de 2002 pela equipa da Fundação Mário Soares, com a coordenação do Professor Doutor José Mattoso, sob orientação superior do então Presidente da República, Kay Rala Xanana Gusmão, e que se encontrava à guarda dos donos do seu Abrigo subterrâneo em Mirtuto, Caetano Ximenes, TG, sua mulher Isabel Ximenes, Ibu Rosalina, e de seus filhos, é um fundo decisivo para a compreensão da Luta.
A 7 de Outubro de 2002, em Lisboa, é assinado o Protocolo de Colaboração entre o então Presidente da República Democrática de Timor-Leste, Kay Rala Xanana Gusmão, e o Presidente da Fundação Mário Soares, Mário Soares, «com vista à preservação, reprodução digital e fotográfica, classificação e disponibilização ao público» da documentação da Luta.
Ali se estabelece a «Constituição em Dili, sob a égide de Sua Excelência o Presidente da República, do Arquivo da Resistência de Timor-Leste, em instalações cedidas pela Associação dos Veteranos da Resistência», bem como a «Criação e entrada em funcionamento da Comissão de Acompanhamento", presidida cientificamente pelo Professor Doutor José Mattoso, com a supervisão Timorense sob a responsabilidade do Veterano de Guerra Somotxo, José Agostinho Sequeira, Ex-Secretário da Região IV e Colaborador do Chefe de Estado-Maior das FALINTIL. Esta Comissão de Acompanhamento integrava ainda um representante da fundação Mário Soares, Alfredo Caldeira.
Somotxo, profundamente conhecedor da História da Resistência, por dela ter sido protagonista ao longo dos 24 anos, é também indicado pelo Presidente da República, para além de membro da Comissão de Acompanhamento, para passar a colaborador permanente da Fundação Mário Soares, com a responsabilidade de formar a equipa de classificação da documentação, em matérias da Luta e da língua tétum, e, ele próprio, proceder a esse trabalho, dada a especificidade dos arquivos, frequentemente compostos de linguagem de código, cifra, com recurso a inúmeros pseudónimos, alterados ao longo do tempo em função das circunstâncias impostas pelo invasor, e escritos em tétum.
Em 2004, o então Presidente da República dá orientações no sentido de a Fundação Mário Soares proceder a ampla recolha de documentação nas Montanhas, que se encontrava à guarda de ex-quadros da Luta e elementos clandestinos da população, indicando Somotxo como responsável da missão.
Os trabalhos de recolha no terreno, durante cerca de três meses, que contaram com o apoio logístico do então Chefe do Estado-Maior-General das F-FDTL, FALINTIL- Forças de Defesa de Timor-Leste, Taur Matan Ruak, permitiram a salvaguarda e preservação de importantíssimos arquivos.
Esta extensa missão de recolha da Documentação da Luta, estendeu-se a todo o território, incluindo a cidade de Dili, até 2005, permitindo o resgate de inúmeros núcleos documentais à guarda de quadros da Frente Armada, Frente Clandestina e de elementos da população.
Dado o volume e importância da Documentação resgatada, a sede da Associação dos Veteranos, em Taibesi, não apresentava qualquer espécie de condições, nem de segurança, nem de acondicionamento, nem de trabalho.
As autoridades timorenses apontam, então, como alternativa para as futuras instalações físicas do Arquivo e Museu da Resistência o antigo Tribunal Português, onde a 20 de Maio de 2002 se realizou a Exposição “A Nossa Vitória é Apenas Questão de Tempo…”.
O edifício, de linhas sóbrias e traços da imponência característica dos edifícios públicos da época colonial portuguesa, usado como espaço administrativo durante a ocupação militar indonésia, parcialmente destruído e incendiado durante os acontecimentos de Setembro de 1999, apresenta uma área edificada de cerca de 1325 m2, a que acrescem 1165m2 de área ajardinada circundante, estando construído no centro de Dili, junto do Palácio do Governo e do Parlamento, e ladeado pelo Liceu e pela Universidade.
O seu projecto de reabilitação operou-se em duas fases, a primeira, inaugurada a 7 de Dezembro de 2005, abrangendo uma área de intervenção prioritária de cerca de 500m2, e a abertura da totalidade do edifício a 20 de Maio de 2012.
Durante a vigência do IV Governo Constitucional, em 2007, o Presidente da República, Kay Rala Xanana Gusmão, indigitou uma Comissão Instaladora com o propósito de proceder à concretização do projecto global do Arquivo e Museu da Resistência Timorense. Dela faziam parte o já então Director da instituição, Antoninho Baptista Alves Hamar, Tânia Bettencourt Correia, arquitecta, Virgílio Smith, em representação da Associação dos Veteranos, e Alfredo Caldeira, Fundação Mário Soares.
Para além da Exposição Permanente, as instalações definitivas incluem um espaço para Exposições Temporárias; Sala Multimédia; Auditório, com capacidade de 97 lugares; Cafetaria; Serviços Administrativos; Depósito de Arquivo físico; Espaços de Preservação, Digitalização e Classificação Documental; Sala de Leitura e Sala para Investigadores.
Posteriormente, em 2015 foi construído um edifício anexo, dedicado em especial à área do audiovisual, albergando toda a infraestrutura de IT e Arquivo Digital, e com condições adequadas para produção de conteúdos audiovisuais.
Com projecto de arquitetura da Arquiteta Tânia Bettencourt Correia, o projecto de recuperação e ampliação do edifício foi executado faseadamente ao longo de 10 anos; inicialmente com o apoio da Cooperação Portuguesa e da Fundação Macau e, posteriormente, através de dotações orçamentais do próprio Governo Timorense.
Após a abertura ao público da primeira fase das obras de reabilitação do edifício, aqui passaram a ser realizadas as Cerimónias de Entrega de Documentos, por ex-Combatentes da Frente Armada, Frente Clandestina – Movimento Juvenil, que se encontravam no interior do território. Igualmente, destacados elementos de Movimentos de Solidariedade, nomeadamente, Portugal, Japão e Estados Unidos da
América, aqui passaram a depositar os seus núcleos documentais.
Na fase de arranque, em 2002, o processo de salvaguarda e tratamento do Arquivo da Resistência, implementado através do Protocolo de Cooperação com a Fundação Mário Soares, contou com o importante e decisivo financiamento do Fundo de Fomento Cultural (FFC) português, e, posteriormente, Fundação Macau, Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, (IPAD) e da Fundação EDP, e com o apoio no terreno da Embaixada de Portugal, Instituto Camões, Fundação Oriente, undação Xanana Gusmão, Fundação das FALINTIL, e da AVR (Associação dos Veteranos da Resistência).
Por indicação superior do então Presidente da República, Kay Rala Xanana, Somotxo, José Agostinho Sequeira, foi o primeiro Director do Arquivo e Museu da Resistência Timorense, coadjuvado por Hamar, Antoninho Baptista Alves, cargo que exerceu desde 07 de Dezembro de 2005 a Junho de 2006.
Nomeado Vice-Ministro do Interior, para o III Governo Constitucional, o cargo passa a ser desempenhado por Hamar, Antoninho Baptista Alves, até à atualidade.
O Arquivo e Museu da Resistência Timorense, Casa Sagrada dos Heróicos Combatentes da Libertação Nacional, no Mato e nas Vilas, presta a sua profunda Homenagem aos Heróis tombados em Combate e a todos os Sobreviventes, de Matebian a Kablaki, de Tasi Feto a Tasi Mane, Mulheres, Homens, hoje Katuas, Feriks, a quem a Guerra roubou a sua meninice, juventude, o Direito a serem Crianças, e que continuam a carregar as memórias dos horrores, das humilhações, que o invasor inscreveu, de forma implacável, para todo o sempre, nos seus corpos, nas suas almas.
O Arquivo e Museu da Resistência Timorense, presta aqui o seu profundo e sentido tributo, Reconhecimento e Agradecimento, a todos as Mulheres e Homens que, durante anos e anos, corajosamente esconderam do ocupante, guardando em suas casas, a documentação da Luta, bem percebendo a sua importância para manter viva a prova, a Memória, do período mais negro, e, paralelamente, Épico e Heróico, da História da sua Pátria e, assim, o transmitir aos seus filhos, às novas gerações, e dar a conhecer ao Mundo o ímpar Movimento de Libertação de Timor-Leste.
Gratidão e Veneração, a todos os que arriscaram as suas vidas, de suas famílias, da aldeia inteira, muito bem sabendo que uma simples carta, mensagem, descobertos pelo invasor significava mais sofrimento, humilhações de toda a espécie, mais mortes, fuzilamentos, massacres.
A coragem, sacrifício, sofrimento, heroicidade, dos guardiões da Memória da Guerra de 24 anos, provocada pelo ocupante - preservando milhares de documentos, dezenas de objetos - são hoje o Arquivo e Museu da Resistência Timorense.
A todos eles, Gratidão, Eterno Reconhecimento.
Timor-Leste: 1975-1999
Da ocupação militar indonésia à Autodeterminação
Timor-Leste, com uma área de 14,874 metros quadrados e uma população de 1.066.582 habitantes, segundo os últimos censos, de 2010, situa-se estrategicamente no cruzamento entre o Índico e o Pacífico, entre o Sudeste Asiático e a Oceânia, fechando o estreito de Malaca e entre duas grandes potências vizinhas, Indonésia e a Austrália.
A República Democrática de Timor-Leste (RDTL), com um sistema de Direito Civil baseado no modelo português, é constituída pela metade Oriental da ilha de Timor, juntamente com a Ilha de Ataúro no estreito de Wetar, o ilhéu de Jaco no extremo Oriental e o enclave de Oekuse Ambeno, em Timor Ocidental.
A capital, Dili, está a pouco mais de uma hora de voo entre Bali, Indonésia, e Darwin, atravessando o Mar de Timor até ao Norte da Austrália; os seus principais recursos naturais são o petróleo e o gás.
Em Junho de 2005, o Parlamento Nacional aprovou por unanimidade a criação do Fundo Petrolífero para servir como repositório de todas as receitas do petróleo e para preservar o valor da riqueza petrolífera de Timor-Leste para as gerações futuras.
O petróleo representa mais de 90% das receitas.
Desde a independência, Timor-Leste enfrentou grandes desafios na reconstrução das suas infra-estruturas, no fortalecimento da administração civil e na geração de empregos para os jovens que entram no mercado de trabalho.
O desenvolvimento de recursos offshore de petróleo e gás complementou enormemente as receitas do governo. O gás é actualmente canalizado para a Austrália para processamento, mas Timor-Leste manifestou interesse em desenvolver uma capacidade de processamento doméstico.
As línguas oficiais são o Português e o Tétum, e o Bahasa Indonésio e o Inglês línguas de trabalho, a moeda adoptada é o dólar americano.
Integrou o Império Colonial Português durante 400 anos, sendo conhecido como o Timor Português.
Desde 1975 até 1999 esteve sob ocupação militar Indonésia, data da realização da Consulta Popular, supervisionada pelas Nações Unidas, e com ampla participação de Observadores Internacionais, conforme há anos reivindicava o Comando da Luta.
A esmagadora maioria dos timorenses votou a favor do direito à autodeterminação, tendo sido restaurada formalmente a sua Independência a 20 de Maio de 2002, com a derrota política do regime ditatorial de Soeharto, incapaz de vencer a Guerra militarmente e de convencer o Mundo da razoabilidade das suas pretensões anexionistas sobre um pequeno território, que transformou na Ilha da Morte, do Sofrimento e Vergonha Humana.
A 25 de Abril de 1974, o golpe militar que em Portugal derrubou o regime do Estado Novo, conhecido por “Revolução do Cravos” ou “25 de Abril”, abriu caminho ao processo de descolonização dos territórios em África, cujos Movimentos de Guerrilha desde 1961 travavam a Luta Armada pela sua Auto-Determinação, intensificada a partir de 1970.
Deposto o regime totalitário, até então a mais antiga ditadura europeia, todas as ex-colónias portuguesas, alcançaram a Independência, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, excepto Timor.
O novo regime político em Lisboa, a braços com convulsões políticas, sociais e económicas internas, sem grandes interesses comerciais e financeiros na colónia e na região, deu pouca importância ao caso de Timor Português, encetando um tímido e fracassado processo de descolonização, para que concorreram decisivamente os interesses das duas potências da região, a Indonésia e a Austrália, com o apoio dos Estados Unidos da América.
Ainda assim, o Programa de Descolonização permitiu a criação de Associações e Partidos políticos. A UDT (União Democrática Timorense), a primeira a ser criada, preconizava uma “autonomia progressiva”, sob administração portuguesa, embora também apoiasse o direito à autodeterminação; a ASDT (Associação Social Democrática) mais tarde transformada em FRETILIN (Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente), com um ideário marxista, e subsequente criação do seu braço armado, as FALINTIL, defensora da Independência imediata e total; a Associação Popular Democrática de Timor (APODETI), o Klibur Oan Timur Aswain (KOTA) apoiantes da integração do território na República da Indonésia e, mais tarde, da invasão militar, tal como uma linha dissidente da Direcção da UDT.
Depois da sangrenta guerra civil, que opôs UDT e FRETILIN, instigada e fomentada pela Indonésia, como o apoio da Austrália e dos Estados Unidos, a FRETILIN, com o seu Programa de Governo, perante a iminência duma invasão em larga escala pelas forças de Sohearto, e abandonado o território por Portugal, vê-se na contingência de Proclamar Unilateralmente a Independência da República Democrática de Timor-Leste, a 28 de Novembro de 1975, numa derradeira tentativa de obter apoios internacionais contra agressão militar estrangeira.
A invasão militar maciça de Timor-Leste pelas forças militares indonésias, por Terra, Mar e Ar, a 7 de Dezembro de 1975, põe termo ao tímido processo de descolonização em curso, e dá início ao longo período de barbárie e ocupação militar de todo o território, combatida tenazmente pelo Movimento de Resistência.
Os timorenses, fazendo jus ás tradições guerreiras, transformaram as suas altas Montanhas Sagradas na base de combate. Socorreram-se do armamento militar que o Exército Colonial Português tinha deixado ao abandonar a Ilha, e organizaram as suas forças de Defesa, FALINTIL, apoiadas nas populações enquanto legitimadoras do direito de resistência e garantes da retaguarda necessária para a subsistência alimentar e obtenção de informações junto do inimigo.
Os 24 anos da Resistência Timorense à ocupação militar conheceram várias linhas de acção diferenciadas, que se foram articulando entre si, à medida que as forças ocupantes manifestavam incapacidade de ganhar a guerra e, paralelamente, ia ganhando expressão um movimento internacional de contestação ao genocídio dum Povo, por ousar lutar teimosamente pela Autodeterminação da sua Pátria: A Frente Armada (Mato), Frente Clandestina (Vilas), Frente Diplomática (Exterior) e a Igreja Católica Timorense, uma Igreja ao lado do seu Povo, seu único amparo, espiritual e abrigo, quando o território fechado ao Mundo, transformado na Ilha da Morte, do Sofrimento.
Convencionalmente, são consideradas três fases distintas da Luta: A primeira, 1975-1979, guerra de posições, ou guerra clássica, que levou à quase exterminação das FALINTIL; 1980 – 1987, movimento de Guerrilha no Mato, e 1988-1999, guerrilha urbana; todas elas com o decisivo apoio da Igreja Católica Timorense, e, no Exterior, com intensas acções Diplomáticas dos Representantes da Resistência.
As complexas, e inúmeras, estruturas e estratégias, alteradas ao longo do tempo, em função das circunstâncias impostas pelo invasor, foram contando com o crescente apoio de Movimentos de Solidariedade e de activistas um pouco por todo o Mundo.
Contrariando todas as expectativas de observadores desconhecedores da complexa realidade timorense - mescla de características geográficas do terreno da Ilha e traços culturais do Povo timorense – e desafiando as clássicas lógicas do poder militar e económico, a Indonésia falhou o seu objectivo de anexação definitiva de Timor-Leste como a sua 27ª Província, apesar de 24 anos de bárbara ocupação militar do território.
As riquezas petrolíferas e de gás do Mar de Timor, ditaram a tragédia e o holocausto do Povo Timorense, num longo processo de sofrimento e morte.
No início da década de 60 as licenças de exploração são reivindicadas unilateralmente pela Austrália, e, mais tarde, secreta e intensamente disputadas com a Indonésia.
Em 1972, as duas potências excluem deliberadamente Portugal das negociações sobre Fundo Marinho, e em 1989, após 11 anos de negociações, assinam entre si o chamado Tratado do Timor Gap, mediante o reconhecimento por parte da Austrália da soberania Indonésia sobre Timor Leste, que nenhum outro país ocidental tinha reconhecido, ‘de jure” até então.
Durante os primeiros três anos a seguir à Invasão, que provocaram a morte a cerca de 200 mil timorenses, fuzilados, torturados, massacrados, desaparecidos, e, em 1979, a fome propositada e deliberadamente imposta pelo ocupante, com recurso a bombardeamentos com napalm, o Governo de Malcom Fraser tentou repetidamente reconhecer a soberania da Indonésia, enquanto garante do sucesso das negociações do Timor Gap. (Kim McGrath, 2019, p.19)
Desde a Restauração da Independência, a 20 de Maio de 2002, até à actualidade, a delimitação de fronteiras marítimas, ou seja, o direito de exploração das suas próprias reservas petrolíferas e de gás, em conformidade com o Direito Internacional, tem constituído um dos dossiers mais complexos e difíceis da República Democrática de Timor-Leste.
A ampla documentação que tem sido progressivamente desclassificada, nomeadamente em Arquivos de Estado - Portugal, Estados Unidos da América, Austrália – evidencia a falsidade da propaganda internacional (Fake News) desenhada pela Indonésia, e seus parceiros, mal se inicia o tímido processo de descolonização português, que atribui directamente à FRETILIN, e à sua ideologia “comunista”, as responsabilidades pela Invasão e ocupação militar do território.
Na realidade, há muitos anos, com a oposição da então Colónia portuguesa, que a Indonésia e a Austrália ensaiavam secretamente a tomada das riquezas de Timor-Leste. Com ou sem FRETLIN, a ocupação de Timor-Leste era uma questão de tempo.
Em pleno curso do tímido processo de descolonização de Timor-Leste, início de 1975, e firmado o entendimento político-partidário entre a entre a UDT e a FRETILIN, a Indonésia, com o apoio dos seus parceiros, põe no terreno secretas operações de desestabilização de molde a propagandear ao mundo que o território era ingovernável pelos timorenses e a legitimar a sua ocupação militar. A guerra civil, que opôs UDT e FRETILIN, organizada e fomentada pela Indonésia, abre caminho à invasão do território, a 7 de Dezembro de 1975.
Durante os 24 anos de Guerra, gerada pela invasão e ocupação estrangeira, sempre foi uma constante a clamorosa desproporção de forças:
O Movimento de Guerrilha que combatia nas Montanhas, sem qualquer tipo de apoio militar externo, muito menos financeiro, munido de parco e fraco armamento colonial português, de armas tradicionais e daquele pouco que conseguia capturar, ou comprar, ao ocupante;
Do outro lado o regime ditatorial indonésio, o maior colosso militar do Sudoeste Asiático, apoiado militar e diplomaticamente pelas grandes potências internacionais, onde os frios e cínicos interesses petrolíferos e geoestratégicos ditavam tout court a dinâmica da Guerra em curso: uma gritante e intolerável violação dos Direitos Humanos, consagrados nas Convenções de Genebra e seus Protocolos Adicionais, tratados internacionais, cujas normas mais relevantes limitam as barbáries da guerra, protegendo pessoas que não participam dos combates, civis, pessoal de saúde, profissionais humanitários, e as que deixaram de combater, militares feridos, enfermos e prisioneiros de guerra.
Como forma de controlar a população, as ABRI numa tentativa de atingir os objectivos políticos da “pacificação” de Timor-Leste e subsequente integração na República da Indonésia, apostaram numa estratégia assente em toda a espécie de violência, transversal a todos os níveis da sociedade timorense, envolvendo homens, mulheres e crianças nas ações de combate, nos Serviços de Informação – semeando o medo e desconfiança entre os timorenses, virando uns contra os outros, feridas que permanecem - e na tortura e assassinatos em massa.
Em todo o período de ocupação militar, há um padrão constante na formação das forças armadas paramilitares, com recrutamento, frequentemente forçado, de timorenses que matavam indiscriminadamente os seus irmãos sob a orientação das ABRI, (Angkatan Bersenjata Republik Indonesia – Forças Armadas da Indonésia) estratégia militar que assume consequências graves, e de longa duração, nas populações, cujas feridas ainda hoje, decorridos anos e anos, permanecem entre os sobreviventes, familiares, vizinhos, aldeias, vilas.
A partir de meados dos anos 90, o ocupante cria os esquadrões de morte e os paramilitares, génese dos grupos de milícias surgidas em 1998/99, que semearam a onda de violência e morte, queimando casas, gado, e destruindo, praticamente, todas as infra-estruturas, de Kablaki a Matebian.
Para além dos homicídios e desaparecimentos, a deslocação forçada das populações foi também uma das estratégias recorrentes do ocupante para combater a tenacidade e teimosia do Povo Timorense em prosseguir a Luta pela Libertação da sua Pátria - fosse por suspeição de ligações com os guerrilheiros, fosse por suspeitos de membros de uma rede clandestina, ou, tão só, porque tinham familiares no Mato.
Basicamente, todos os timorenses durante o regime de ocupação sofreram um qualquer tipo de deslocação e muitos foram deslocados por diversas vezes, transformando Timor-Leste na Ilha das “Aldeias de Concentração”, “Campos de Desterro”, onde pontua a árida e infértil Ilha de Ataúro, para onde, no início dos anos 80, são desterradas milhares de pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, que aí morreram de fome e doença.
A chocante diversidade dos actos de Violação de Direitos Humanos perpetrados impunemente pelas forças ocupantes - assassinatos, prisões arbitrárias, tortura, maus tratos, trabalho forçado, saque de bens, fome, doença, e miséria, provocadas pelas deslocações forçadas – inclui a degradante prática de violência e tortura sexual das mulheres. Era prática comum as forças ocupantes violarem e torturarem sexualmente as mulheres nas instalações militares ou em qualquer edifício público.
«Os actos que ocorriam, geral e abertamente, nestes locais oficiais incluíam a tortura sexual prolongada das mulheres, seguida de violação individual ou em grupo por membros das forças de segurança indonésias.
Esta tortura sexual incluía, frequentemente, a mutilação dos órgãos sexuais das mulheres, a inserção de objectos na vagina, a queima com cigarros acessos dos mamilos e dos órgãos genitais, a aplicação de choques eléctricos aos órgãos genitais, aos seios e à boca, forçar os detidos a realizar actos sexuais, a violação de mulheres grávidas, a violação de mulheres vendadas com os pés e as mãos atados e o recurso a cobras para instilar terror nas vítimas.
[…] Os depoimentos das vítimas também demonstram que as mulheres eram frequentemente violadas durante as operações militares e que era prática correntemente aceite entre os militares obrigar mulheres jovens a viverem situações de escravidão sexual, através do recurso a ameaças de violência directa contra elas próprias, as suas famílias e as suas comunidades. Nestas situações, que por vezes se prolongaram por vários anos, os oficiais violavam as mulheres sob o seu controlo, dia após dia. Existiram casos em que quando um oficial terminava a comissão ‘transferia’ a mulher para o seu substituto ou para outro oficial. Tudo isto era tolerado pela hierarquia superior e outros oficiais, e mesmo encorajado. Os comandantes e os funcionários também participaram.» (In CAVR, Relatório Chega)
Informações obtidas a partir do corajoso relato de algumas mulheres do seu sofrimento em audiências públicas promovidas pela CAVR, que foram transmitidas em directo pela rádio e a televisão nacional, num contexto de rigorosos tabus culturais e de dificuldades pessoais. (idem, ibidem)
A todas a Irmãs Buiberes, sustentáculo basilar da Luta, que lutaram nas Vilas e Montanhas, o Arquivo e Museu da Resistência Timorense aqui expressa o seu profundo e reconhecido tributo, de respeito, admiração, e reconhecimento do seu ímpar papel na Luta de Libertação Nacional.
As crianças também não escaparam á barbárie do ocupante durante os longos e sofridos anos de Guerra de Resistência. Basicamente, sofreram o mesmo padrão de agressões que o desferido aos adultos, tendo sido alvo de todo o tipo de actos repugnantes e degradantes: mortas, violadas sexualmente, detidas e torturadas, deslocadas e recrutadas à força para integrarem as fileiras das forças paramilitares, raptadas pelos militares e levadas para a Indonésia, órfãs, entregues à sua sorte…desprovidas de qualquer tipo de protecção, alimentar, cuidados de saúde, acesso à educação, sofrimento incomensurável, com consequências desastrosas para suas vidas, e o futuro da sua Pátria.
Mais do que ocupação do território e integração de Timor-Leste como 27ª Província da República da Indonésia, hoje é claro, perante a ampla documentação existente, o invasor tinha como intuito a chacina, exterminação, do Povo de Timor-Leste, colocando no terreno estratégias de eliminação dum Povo.
Também como padrão, durante os 24 anos de Guerra, as forças indonésias procederam sistematicamente a repugnantes e degradantes “execuções em massa”, “massacres”, provocando milhares e milhares de mortes e desaparecimentos, corpos que ainda hoje as famílias reivindicam, desconhecendo o seu paradeiro.
Implementou uma estratégia recurso à fome forçada, negando categoricamente às populações indefesas o acesso à comida; pôs em prática uma política de esterilização forçada das Mulheres em idade fértil, injectável, a que chamou “Planeamento Familiar” – que valeu fortes protestos do Monsenhor D. Carlos Filipe Ximenes Belo, mediante Carta Pastoral – e, paralelamente, no plano demográfico procedeu à estratégica da javanização, mediante a “Transmigração”, numa tentativa de repovoamento de Timor-Leste por população indonésia, forçada, também ela, a abandonar a sua terra e deslocada para o território.
Paralelamente, no plano cultural, com o intuito dar ao facto consumado da ocupação um carácter irreversível, desenvolveu uma política de descaracterização do território, impondo a proibição do ensino do português e tentando lançar, em vão, a islamização do território.
A Guerra de Resistência timorense ao poderio militar do ocupante, historicamente épica, Heróica, ímpar Movimento de Libertação no Mundo, como o demonstram os factos, não é entendível na perspectiva pura e dura estratégica e militar de per si.
Por diversas vezes ao longo dos 24 anos de Resistência, um pequeno número de guerrilheiros que resistia teimosamente nas mais difíceis e duras condições, foi dado por aniquilado pelo ocupante. Efetivamente, diversas vezes, o movimento de guerrilha, à beira da exterminação, teimosamente reergue-se das cinzas e prossegue com tenacidade a Luta até atingir o objectivo inicial, e único : a libertação da Pátria do jugo ocupante, a cujas humilhações nunca se vergou nem aceitou, em defesa da sua Dignidade.
A inabalável vontade de lutar e morrer pela Autodeterminação da Pátria, com coragem, firmeza, incomensurável capacidade de sofrimento, abnegação, como o reflectem as palavras de ordem amplamente usadas pelos Combatentes da Libertação Nacional, “Pátria ou Morte”, “A Vitória é Certa”, sempre foi proporcional à barbárie do ocupante, desferida indiscriminadamente sobre crianças, velhos, enfermos, população indefesa.
A partir de 1996, começa a ser desenhada internacionalmente a conjuntura favorável à realização do Referendo para o Povo Timorense escolher livremente o seu futuro, mediante a conjugação de três grandes factores:
Intensificação da actividade diplomática timorense na arena internacional, após a atribuição do Prémio Nobel da Paz a Ramos-Horta, Representante Especial do CNRM no Exterior (Conselho Nacional da Resistência Maubere), e Representante Pessoal de Kay Rala Xanana Gusmão, Comandante das FALINTIL e Presidente do CNRM - Prisioneiro Político encarcerado numa cela na Indonésia, desde a sua captura em Dili a 20 de Novembro de 1992, onde passou a receber os principais líderes mundiais, com destaque para Nelson Mandela - e a D. Ximenes Belo, Administrador Apostólico da Diocese de Dili;
Tomada de posse de Kofi Annan como Secretário-Geral da ONU, em Janeiro de 1997, que passou a adoptar atenção renovada à questão de Timor-Leste, e, finalmente, a crise financeira asiática, com fortes repercussões na Indonésia, provocando amplo movimento contestário interno ao regime de Sohearto, que viria a ser substituído por B.J. Habibie.
Sem condições, internas e externas, para continuar a defender a Ocupação Militar de Timor-Leste, em Janeiro de 1999, Habibie declara que a Indonésia autorizaria o povo de Timor Leste a escolher o seu futuro, incluindo a independência, se fosse esse o seu desejo.
A negociações tripartidas – Portugal-Indonésia, sob os auspícios das ONU - num clima de profunda escalada de violência pelos grupos de milícias pró-autonomia, afectas às ABRI/TNI, (Tentara Nasional Indonesia - Forças Amadas da Indonésia) assassinatos, massacres, obrigando as populações a refugiarem-se massivamente nas Montanhas – ditaram a realização do Acto de Consulta Popular a 30 de Agosto.
Os timorenses, corajosa e dignamente, desceram da Montanha e afluíram em massa às urnas, tendo votado 98,6 % dos eleitores recenseados, num acto eleitoral cuja segurança era da responsabilidade das forças indonésias.
Os 24 anos de violência desmedida, muito menos a intimidação dos meses anteriores, em nada impediram um Povo de ordeira e disciplinadamente, exercer o seu Direito inalienável de determinar o futuro da sua Pátria.
Os resultados do acto eleitoral foram anunciados pelo Secretário-Geral da ONU em Nova Iorque, Kofi Annan, ao princípio da noite de 3 de Setembro, e pelo seu Representante Especial, Ian Martin, em Díli, na manhã de 4 de Setembro, pelas 9 horas de sábado: 21,5% dos eleitores votaram a favor do regime de autonomia especial e 78,5% contra.
Com a segurança do acto eleitoral, inexplicavelmente entregue às Forças Indonésias pela Comunidade Internacional, há muito que os timorenses bem sabiam o que se seguiria ao anúncio dos resultados, pois muito bem conheciam o ocupante e do que era capaz, com ele foram forçados a conviver durante 24 anos, sofrendo diariamente, na pele e na alma, a sua desmedida selvajaria.
Os militares indonésios e as milícias fizeram matanças indiscriminadas, homicídios em massa, e assassínios individuais; mortes brutais, sendo muitos abatidas com catanas. Os que escaparam, muitos ficaram mutiladas, continuam a sofrer graves problemas de saúde, e a lidar diariamente com o trauma de Guerra.
Em todo o território registou-se tortura, violência sexual e deslocação forçada de populações.
Citando o Relatório Chega, da CAVR, mais de metade da população, 550 mil pessoas, fugiu de casa, incluindo as 250 mil que foram transferidas para Timor Ocidental à força, ou sob intimidação.
As milícias mataram pessoas que se refugiaram nas igrejas, encontrando-se padres e freiras entre os alvos procurados.
Ao partir de Timor-Leste, as TNI destruíram 70% das suas principais infra-estruturas, habitações e outros edifícios, arrasando aldeias inteiras e saqueando os bens dos timorenses.
A comunidade internacional que acorreu em massa ao território para o Acto Eleitoral - a fim de escrever na História tão nobre contributo para a libertação dum Povo, à guisa de limpar a sua pesada consciência pelo seu reiterado e decisivo contributo para a tragédia da ocupação de Timor-Leste e consequente chacina de um Povo, com elementos de farsa, hipocrisia, vilania, em nome dos interesses petrolíferos - bateu em debandada, encerrando o complexo da UNAMET, deixando, mais uma vez, os timorenses entregues a si próprios e à barbárie do ocupante.
Às FALINTIL coube o difícil e duro Acantonamento, a impotência da obrigatoriedade que se impunha, de se limitarem a ver o seu Povo a continuar a ser abatido e torturado como se de gado se tratasse; acataram as reiteradas e sistemáticas ordens do Comando da Luta no sentido de não responder de igual para igual ao invasor, com violência, pois tal representaria elevadíssimos custos diplomáticos, e de toda a ordem, para o curso do processo de Independência e Paz de Timor-Leste, finalmente, tão próximo de se concretizar.
Anunciados os resultados da Consulta Popular a 3 de Setembro, com a consequente escalada de violência das milícias e forças indonésias, só no dia 20 de Setembro chega a Timor-Leste uma força multinacional com plenos poderes para restaurar a Pás e a Segurança, a INTERFET, forçada pelos Estados Unidos da América, sob a orientação directa de Bill Clinton, e militarmente suportada pela Austrália, cujo Primeiro- Ministro, John Howard, recentemente, finais de 1998, numa carta a Habibie reafirmava a preferência da Austrália pela manutenção de Timor Leste como parte da Indonésia; actores históricos com pesadas responsabilidades históricas na Invasão e Ocupação militar de Timor-Leste.
Esta força, aprovada pelas Nações Unidas, chegou a tempo de a Comunidade Internacional limpar a face, mas muito tardiamente para centenas de milhares de timorenses indefesos, deportados, assassinados, mutilados, torturados, no período que mediou o anúncio dos resultados da Consulta Popular e a sua entrada no território.
Neste processo de tentativa de pacificação do território, quando as forças internacionais presentes se mostraram incapazes de pôr termo à barbárie, e, mais tarde, durante os períodos de crises políticas internas, mediante o estabelecimento de Acordos Bilaterais, a GNR (Guarda Nacional Republicana), força militar portuguesa, viria a ter papel decisivo.
Participou no teatro de operações desde 1999, mediante o envio de uma Força de Reacção Rápida, constituída por 119 elementos, e, desde 2000, manteve os seus militares no território, integrando as sucessivas missões da ONU - UNTAET (United Nations Trasitional Administration in East Timor); UNMISET/ CIVPOL (United Nations Mission of Support in East Timor/ United Nations Civilian Police) e UNOTIL (United Nations Office in Timor-Leste).
Por direito próprio, e com o apoio crescente de numerosas organizações de Solidariedade internacionais, e de tantos outros activistas que actuavam individualmente - muitas sediadas em potências apoiantes militar e diplomaticamente da ocupação militar do território, e mesmo na Indonésia, casos da TAPOL e da SOLIDAMOR - Timor-Leste tornou-se no primeiro Estado Independente do século XXI.
A 20 de Maio de 2002 é proclamada a Restauração da Independência, com a entrega formal do poder pelas Nações Unidas ao primeiro Governo Constitucional, presidido por Kay Rala Xanana Gusmão, Primeiro-Ministro e Ministro do Desenvolvimento e Ambiente, Mari Alkatiri e Ramos-Horta Ministro de Estado e Ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação.
Conquistado o inalienável Direito à Autodeterminação, impunha-se a difícil tarefa de (re) construção de uma Nação saída dum longo e violento conflito, com cerca de um terço da sua população dizimada, infraestruturas débeis, milhares de órfãos, viúvas, reintegração social dos Veteranos de Guerra, toda uma população sobrevivente com sua experiência e traumas, físicos e emocionais, e o processo, sempre inacabado, de reconciliação nacional.
Em 2002, o Presidente da República recém eleito, Kay Rala Xanana Gusmão, descrevia as condições a partir das quais se iniciaria a construção do novo Estado:
«Mais do que dois em cada cinco timorenses vivem com menos do que 55 cêntimos por dia. A esperança de vida à nascença é apenas de 57 anos. As mulheres morrem desnecessariamente ao dar à luz. Muitas crianças morrem antes de atingirem os 5 anos de idade de doenças que se podem prevenir e de outras doenças. 43% da população é analfabeta. 46% nunca frequentou a escola. Muitos jovens não têm qualificações e estão desempregados.» (Mensagem in Relatório do Desenvolvimento Humano de Timor Leste 2002, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Dili.)
Todo este património, de horror, sofrimento, bestialidade humana, e heroicidade, impõe-se não esquecer, preservar e transmitir às novas gerações. Para além do resgate da memória em si, significa a preservação da própria humanidade, no sentido de que não se pode permitir a existência de semelhantes padrões de barbárie que culminem em novos genocídios.
É preciso aprender com o passado e não apenas resgatá-lo por si só. É necessário que esta memória seja mantida viva para que a lição dos crimes contra a humanidade e do degradante desrespeito pelo outro seja realmente apreendida. Este é o verdadeiro papel do resgate da memória, ou seja, a formação de uma identidade, que se impõe ao Arquivo e Museu da Resistência Timorense.